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OPINIÃO: O garçom do navio

Fiz um cruzeiro com a família. Sonho antigo de menino batizado nas águas turvas da Amélia e do Teobaldo, os rios da minha infância em São Sepé. Tiro curto. Não mais que uma semana durou a viagem. O navio, uma munaia de aço, ferro e madeira de lei, saiu de Santos, passou por Búzios, Angra dos Reis, Salvador e foi até Ilhéus, a terra de Jorge Amado e do Bataclã. Recomendo o bordejo aquático a quem gosta de brincar de rico pelo menos uma vez na vida, e é bem mais barato que se refestelar numa capital do Nordeste. O bom mesmo é ir com uma parceria que rengueia da mesma perna, pois diversão, "trago e boia" têm a granel no latifúndio do convés.

Nesse passeio conheci Randy. Nascido numa cidadezinha da Guatemala, onde ainda mora a mulher, os dois filhos pequenos e, de vez em quando ele, quando termina a temporada de verão dos cruzeiros. Randy era o barman de um dos tantos bares luminosos da embarcação. Simpatia em pessoa. Estatura mediana e um sorriso permanente no rosto moreno, adornado pelos óculos de grau para debelar uma miopia de nascença. Foi uma amizade à primeira vista, daquelas que gruda feito goma-arábica nas encostas da alma. Logo de cara ele conseguiu permissão para que o meu filho tocasse algumas músicas ao piano que ficava ao lado do bar. Fez sucesso o piá, ao executar tangos conhecidos para os argentinos que fervilhavam por todos os quadrantes da nau. Depois, me apresentou o Mojito, cocktail à base de rum, açúcar, hortelã, limão e água com gás ou soda. Segundo ele, o escritor americano Ernest Hemingway é que teria inventado esse drinque no tradicional bar cubano La Bodeguita Del Medio, em Havana.

Contou-me, entristecido, que os funcionários dos transatlânticos vivem em condições bem parecidas com a dos antigos cativos originários do continente africano, contrastando com a ostentação das luxuosas embarcações. O dia a dia dentro de um navio é marcado por trabalho duro, relações difíceis com os chefes e poucas horas de folga.

Quando desembarcamos em Santos, finalizado o giro marítimo, me cravou com gana o punhal da certeza: nunca mais veria Randy! Ele foi a amostra daqueles que cruzam o nosso caminho uma única vez, e desaparecem para sempre. Morrem ainda que vivos, e viram estátuas perenes na memória pesarosa. Batendo perna pelas ruas de Santa Maria, às vezes me pego indagando: onde estaria Randy àquela hora? Será que ele ainda cruza os mares no Grand Mistral? Ou cansou do serviço de bordo e foi trabalhar de taxista na sua terra natal, como me disse que faria? Quando eu ouvir o Santhiago tocar no piano do seu quarto Amigos para Sempre, como fez na última noite no navio, o Randy aparecerá de corpo inteiro nas minhas retinas. É o filho concedendo ao pai o privilégio de eternizar um amigo apenas pela audição. E será bem provável que não ficarei responsável pela lágrima que vazar dos meus olhos já puídos da lembrança de quem não verei mais.

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